2009: ano negro para a diplomacia?, por César Yip

Todo final de ano traz consigo a tentação de fazer um balanço retrospectivo dos acontecimentos. Não sendo forte suficiente para resistir ao impulso, e sob o impacto recente da COP-15, proponho a seguinte questão: houve pelo menos uma iniciativa diplomática de importância global que tenha sido bem sucedida este ano?

Foi sem dúvida um ano cheio, com muitos vôos, reuniões, fotos e documentos assinados por todo o mundo. Mas aqueles que tendem a ver sempre o copo como meio vazio não podem deixar de questionar: quais os resultados?

Não falo, obviamente, dos pequenos gestos, paços lentos, e acordos preparatórios, dos quais o mundo da diplomacia é feito. Falo de grandes iniciativas sobre temas de importância global que tenham dado frutos nesse ano de 2009.

Não é preciso dizer que o ano começou com altas expectativas pela posse de Barack Obama nos Estados Unidos. Exatamente por isso  o presidente americano recebeu o prêmio Nobel da paz por seus “extraordinary efforts to strengthen international diplomacy and cooperation between peoples”. Mas isso já foi bastante destacado em tantas outras retrospectivas. Aqui abordaremos como algumas dessas expectativas não se transformaram em realidade, pelo menos não em 2009 (o que não impede que se concretizem no futuro, ainda em 2010).

Desarmamento

Em dezembro de 2009, expiraria o START-I (Strategic Arms Reduction Treaty, de 1991), acordo entre EUA e Rússia sobre redução de armas nucleares. Com isso, um item-chave desse ano seria negociar seu sucessor.

Investindo pesado no assunto, Obama de cara despachou até mesmo o mais que veterano Henry Kissinger para a Rússia. Em abril, Obama e Medvedev encontraram-se em Londres e definiram julho como data para uma primeira versão do acordo. De fato, em julho os dois líderes encontraram-se na Rússia e assinaram um entendimento para a redução dos artefatos. Com os números básicos acertados, parecia já estar tudo pronto. Só faltava assinar. E falta até hoje.

Rodada Doha

Quanto à Rodada Doha, não havia grande expectativa de avanços em 2009. Ainda assim, o curso dos fatos preparava surpresas.

Em julho os países do G-8 declararam o ambicioso objetivo de fechar o acordo em 2010. No começo de setembro, foi realizada reunião ministerial em Nova Delhi para “Re-energizar Doha” e, para a surpresa de todos, foi anunciado que as negociações seriam retomadas! A Índia, triunfante, declarou que houve “a breakthrough in negotiations. The Delhi meeting has managed to break the impasse”. Com ânimo novo, a retomada das negociações foi marcada para o mesmo mês em Genebra. No entanto, duas semanas depois na cidade suíça, surpresa novamente: as negociações emperraram mais uma vez!

Proliferação nuclear: o programa iraniano

Obama deu o recado no discurso de posse: “we will extend a hand if you are willing to unclench your fist.”

As negociações foram agendadas para o mês de Outubro, envolvendo Irã, Estados Unidos, França, Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Das negociações surgiu uma proposta para que o urânio iraniano fosse enviado para fora do país, enriquecido na Rússia, e em seguida enviado novamente para o Irã para aproveitamento para fins médicos. Em 21 de Outubro, os negociadores iranianos aceitaram a proposta. Seria o triunfo da diplomacia de Obama sobre a abordagem agressiva de Bush?

A resposta oficial de Teerã deveria vir até dia 23, mas não veio. Na semana seguinte, especulações e fontes extra-oficiais davam conta de que o Irã aceitaria o acordo. Ahmadinejad discursou dizendo “the conditions for international nuclear cooperation have been met. We are currently moving in the right direction and we have no fear of legal cooperation“. E, no entanto, no dia seguinte veio a notícia: o Irã não aceita o acordo.

Sem acordo, a AIEA aprovou resolução condenando o Irã e demandando que ele interrompa atividades de enriquecimento de urânio.  Como resposta, o país islâmico decidiu anunciar que vai construir mais 10 usinas para enriquecimento. Já em Dezembro, a House of Representatives dos EUA aprovou projeto prevendo aumentar as sanções ao Irã. Ou seja: de volta à programação normal.

Mudanças Climáticas

Obviamente, o ano terminou com o grande fracasso diplomático em Copenhagen. Fracasso anunciado, que só pegou de surpresa quem não acompanhou as movimentações pré-COP-15, como acordos firmados entre países em desenvolvimento na Ásia, ou a paralisação da legislação sobre o clima no Senado americano. Esperava-se inicialmente um tratado com metas vinculantes e outros mecanismos para suceder o Protolo de Quioto. Em seguida, alguns especialistas alertaram que seria mais realista esperar um acordo básico para um futuro tratado no próximo ano.

Chegando em Copenhagen, no entanto, as esperanças do lado de dentro do Bella Center se dissiparam na mesma velocidade com que as manifestações do lado de fora se tornaram protestos (e prisões), com uma presidência pouco hábil da Dinamarca, protestos dos países da África, e uma agonia crescente com a passagem do tempo. Nos últimos dias, foi a vez dos líderes mundiais tentarem salvar o encontro, com horas de negociações seletas e a portas fechadas. Após muitas dores do parto, nasceu enfim… o Acordo de Copenhagen. Esse documento, do qual a Conferência “tomou nota”, tem 12 parágrafos e 3 características essenciais: 1) não é um tratado; 2) não foi universalmente acordado; e 3) seu conteúdo não atende às expectativas anteriores ao evento. Embora reconheça a necessidade de manter o aquecimento a menos de 2ºC, o acordo não traz as tão esperadas metas de emissão de carbono para os países e, embora fale em US$100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento, não detalha a composição do fundo.

Talvez o melhor balanço do grandioso evento seja o fato de, após seu final, os países imediatamente passarem a discutir de quem foi a culpa do fracasso. Lula culpou os Estados Unidos por induzir a Europa e Japão a tentarem eliminar o Protocolo de Quioto. O Reino Unido acusou China de impedir o acordo. E a África do Sul culpou a Dinamarca por tentar impor sua posição aos outros países.

E que venha 2010!

2009: ano negro para a diplomacia?

Todo final de ano traz consigo a tentação de fazer um balanço retrospectivo dos acontecimentos. Não sendo forte suficiente para resistir ao impulso, e sob o impacto recente da COP-15, proponho a seguinte questão: houve pelo menos uma iniciativa diplomática importante que tenha sido bem sucedida este ano?

Foi sem dúvida um ano cheio, com muitos vôos, reuniões, fotos e documentos assinados por todo o mundo. Mas aqueles que tendem a ver sempre o copo como meio vazio não podem deixar de questionar: quais os resultados?

Não falo, obviamente, dos pequenos gestos, paços lentos, e acordos preparatórios, dos quais o mundo da diplomacia é feito. Falo de grandes iniciativas sobre temas de importância global que tenham dado frutos nesse ano de 2009.

Não é preciso dizer que o ano começou com altas expectativas pela posse de Barack Obama nos Estados Unidos. Não à toa o presidente Barack Obama recebeu o prêmio Nobel da paz por seus “extraordinary efforts to strengthen international diplomacy and cooperation between peoples”. Mas isso já foi bastante destacado em tantas outras retrospectivas. Aqui abordaremos como algumas dessas expectativas não se transformaram em realidade, pelo menos não em 2009 (o que não impede que se concretizem no futuro, ainda em 2010).

Desarmamento

Em dezembro de 2009, expiraria o START-I (Strategic Arms Reduction Treaty, de 1991), acordo entre EUA e Rússia sobre redução de armas nucleares. Com isso, um item-chave desse ano seria negociar seu sucessor.

Investindo pesado no assunto, Obama de cara despachou até mesmo Henry Kissinger para a Rússia. Em abril, Obama e Medvedev encontraram-se em Londres e definiram julho como data para uma primeira versão do acordo. De fato, em julho os dois líderes encontraram-se na Rússia e assinaram um entendimento para a redução dos artefatos. Com os números básicos acertados, parecia já estar tudo pronto. Só faltava assinar. E falta até hoje.

Doha

Quanto à Rodada Doha, não havia grande expectativa de avanços em 2009. Ainda assim, o curso dos fatos preparava surpresas.

Em julho os países do G-8 declararam o ambicioso objetivo de fechar o acordo em 2010. No começo de setembro, foi realizada reunião ministerial em Nova Delhi para “Re-energizar Doha” e, para a surpresa de todos, foi anunciado que as negociações seriam retomadas! A Índia, triunfante, declarou que houve “a breakthrough in negotiations. The Delhi meeting has managed to break the impasse”. Com ânimo novo, a retomada das negociações foi marcada para o mesmo mês em Genebra. No entanto, duas semanas depois na cidade suíça, surpresa novamente: as negociações emperraram mais uma vez!

Programa nuclear iraniano

Obama deu o recado no discurso de posse: “we will extend a hand if you are willing to unclench your fist.”

As negociações foram agendadas para o mês de Outubro, envolvendo Irã, Estados Unidos, França, Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Das negociações surgiu uma proposta para que o urânio iraniano fosse enviado para fora do país, enriquecido na Rússia, e em seguida enviado novamente para o Irã para aproveitamento para fins médicos. Em 21 de Outubro, os negociadores iranianos aceitaram a proposta. Seria o triunfo da diplomacia de Obama sobre a abordagem agressiva de Bush?

A resposta oficial de Teerã deveria vir até dia 23, mas não veio. Na semana seguinte, especulações e fontes extra-oficiais davam conta que o Irã aceitaria o acordo. Ahmadinejad discursou dizendo “the conditions for international nuclear cooperation have been met. We are currently moving in the right direction and we have no fear of legal cooperation“. E, no entanto, no dia seguinte veio a notícia: o Irã não aceita o acordo.

Sem acordo, a AIEA aprovou resolução condenando o Irã e demandando que ele interrompa atividades de enriquecimento de urânio.  Como resposta, o país islâmico decidiu anunciar que vai construir mais 10 usinas para enriquecimento. Já em Dezembro, a House of Representatives dos EUA aprovou projeto prevendo aumentar as sanções ao Irã. Ou seja: de volta à programação normal.

Mudanças Climáticas

Obviamente, o ano terminou com o grande fracasso diplomático em Copenhagen. Fracasso anunciado, que só pegou de surpresa quem não acompanhou as movimentações pré-COP-15, como acordos firmados entre países em desenvolvimento na Ásia, ou a paralisação da legislação sobre o clima no Senado americano. Esperava-se inicialmente um tratado com metas vinculantes e outros mecanismos para suceder o Protolo de Quioto. Em seguida, alguns especialistas alertaram que seria mais realista esperar um acordo básico para um futuro tratado no próximo ano.

Chegando em Copenhagen, no entanto, as esperanças do lado de dentro do Bella Center se dissiparam na mesma velocidade com que as manifestações do lado de fora se tornaram protestos (e prisões), com uma presidência pouco hábil da Dinamarca, protestos dos países da África, e uma agonia crescente com a passagem do tempo. Nos últimos dias, foi a vez dos líderes mundiais tentarem salvar o encontro, com horas de negociações seletas e a portas fechadas. Após muitas dores do parto, nasceu enfim… o Acordo de Copenhagen. Esse documento, do qual a Conferência “tomou nota”, tem 12 parágrafos e 3 características essenciais: 1) não é um tratado; 2) não foi universalmente acordado; e 3) seu conteúdo não atende às expectativas anteriores ao evento. Embora reconheça a necessidade de manter o aquecimento a menos de 2ºC, o acordo não traz as tão esperadas metas de emissão de carbono para os países e, embora fale em US$100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento, não detalha a composição do fundo.

Talvez o melhor balanço do grandioso evento seja o fato de, após seu final, os países imediatamente passarem a discutir de quem foi a culpa do fracasso. Lula culpou os Estados Unidos por induzir a Europa e Japão a tentarem eliminar o Protocolo de Quioto. O Reino Unido acusou China de impedir o acordo. E a África do Sul culpou a Dinamarca por tentar impor sua posição aos outros países.

E que venha 2010!

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